Ganhei a crônica de presente e publico aqui no Blog.
Um lorde chamado Bolinha
Bolinha se despediu da gente neste domingo, na hora em que Botafogo e Macaé ocupavam a tela da TV. Chutamos o jogo pro alto e fomos correndo para a clínica na rua com nome de escritor alemão, no bairro de Botafogo. Não deu tempo. Ele morreu a caminho, por ironia do destino nos braços de meu filho João Marcelo. Foi João que o trouxe para casa ainda filhote há oito anos do clube em Laranjeiras, quando soube que a mãe morrera envenenada.
No começo Alda, minha mulher, não gostou da ideia de ter um bicho em casa, mas logo aquela pequena figura peluda conquistou um novo coração materno. Não demorou e ele tomou posse de nossa cama. Espaçoso, retribuía com toscas mordidas os chutes involuntários durante a madrugada. Gatos sabem bem a diferença entre morder com vontade e morder apenas como sinal de aviso. Uma espécie de “chega pra lá” na linguagem felina.
Um olho azul e outro verde, pelo preto e branco, Bolinha era um botafoguense nato, embora detestasse os gritos de gol. Era daqueles torcedores que preferiam torcer calado. Pertencia à nobre estirpe dos SRD (sem raça definida), como consta na ficha dos veterinários, mas tinha um pé no clã angorá. Um gato plebeu com jeito de lorde. Ou um príncipe de quatro patas. Foi o primogênito de uma família de quatro felinos que ocupam um apartamento de 90 metros quadrados.
Pode parecer estranho chorar a perda de um bicho de estimação. Os patrulheiros de plantão vão lembrar os milhares de crianças que morrem de fome e os idosos que padecem na porta dos hospitais públicos. Só mesmo quem tem em casa um amigo, seja gato, cachorro, papagaio ou tartaruga, é capaz de compreender esse sentimento. Para os outros, talvez soe ridículo. Só mesmo quem conta com a companhia de alguém que cobra tão pouco no cotidiano, além de comida, aconchego e carinho, entende o que significa um canto vazio na casa.
Bolinha era meu companheiro de TV nas madrugadas. Por pior que fosse a programação, continuava ali a meu lado. Às vezes como provocação saltava para cima da TV e deixava o rabo bem na frente da tela. Noutras ficava entediado e subia ao parapeito da janela. No inverno, adorava o calorzinho do computador e ficava ali me olhando. Acabava virando fonte de inspiração.
No domingo em frente à clínica, quando dois adultos e um adolescente desabam em prantos com a notícia, um menino de uns 10 anos interrompe o jogo de bola e vem perguntar qual a razão do choro. A resposta atrai solidariedade, mas um ponto de interrogação permanece no rosto da criança. Talvez lhe caia a ficha quando tiver um bicho de estimação.
Pensar que tantos seres ditos racionais não compreendem a perda de seres irracionais nos leva a uma pergunta: quem são de fato os racionais e os irracionais neste mundo em que vida e morte estão divididos por uma fração de segundo? Imaginar que tanta gente abandone na rua animais de estimação como se fossem garrafas PET, à espera de que alguém apareça para reciclá-los.
2 comentários:
Para quem sempre teve bichos em casa, o texto é muito bonito.
Um abração para o Bolinha. Cuidado para não se encontrar com o meu Willy Brownstein. Este cocker não era muito amigo de gatos.
Mais Botafoguense que o meu Tigrado (R.I.P - 2009) impossível! :¬)
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SRD também e um ótimo companheiro. Morreu de leucemia felina... espero que esteja me esperando também no céu dos gatos! :¬D
Asura
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