domingo, 7 de janeiro de 2007

Crônica (Sinatra sick, Larica sifu)



Sinatra sick, Larica sifu
Paulo Cezar Guimarães

Frank Sinatra e meu amigo Larica têm uma história em comum. Talvez Sinatra tenha morrido sem saber. Larica, que tem o apelido por motivos óbvios, estava em Nova Iorque, pela primeira e única vez até o momento, e passava quase todos os dias em frente ao Radio City Music Hall. Em cartaz: ele, o próprio, com olhos azuis e tudo. Larica pensava: "é claro que eu não tenho dinheiro pra assistir", "é claro que não tem mais entrada".

Tinha comprado ingressos para assistir, todas as noites, os espetáculos da Broadway. Viu “Cats” (e subiu no palco para ver os gatos, ou melhor, as gatas, de perto), “O Fantasma da Ópera” (de onde ele estava, só identificou que era o Fantasma porque comprou o programa da peça), “Miss Saigon” e outras mais que ele nem lembra. Ia embora de Nova Iorque, num sábado de manhã, e, para sexta à noite, já tinha comprado entrada para “Os Miseráveis”. Na mesma sexta, à tardinha, passou pelo Radio City, e, de onda, resolveu testar o "ingrês" da Praça Mauá. Perguntou ao bilheteiro do teatro se ainda havia ingresso para o show do homem. Tinha. Não acreditou. Quanto? "US$ 100", ele respondeu. Puxou o cartão de crédito e ficou torcendo para o limite ainda não ter estourado. O barulhinho da máquina evitou que passasse vergonha no idioma de Shakeaspeare e ficou eufórico.

"Eu, o Lariquinha do Grajaú, em New York City, assistindo Frank Sinatra ao vivo no Radio City! Te cuida, Jorginho Guinle!".

Não conseguiu pensar mais em outra coisa durante as poucas horas que antecederam ao show. Às 19h50 em ponto, lá estava ele ao lado da fina flor da Mangueira, digo, de Nova Iorque, depois de desviar de limousines e seguranças que a gente só vê nos filmes de Arnold Swarzeneger. Tinha improvisado um terno a la Mário Fofoca, aquele antigo personagem do ator Luis Gustavo, na novela “Beto Rockefeler”. Seu lugar era excelente, na galeria, primeira fileira, em frente ao palco. Ria e falava sozinho.
"Meu Deus, não pode ser verdade. Eu vou ver Sinatra em Nova Iorque!". E ainda cantarolava, baixinho, New York, New York. "Tantantan tan tan tan..." (sei lá como se cantarola isso!).

20h: silêncio no Brooklin, ou melhor, no auditório (e ele era maluco de chamar aquele público de galera?).

O locutor dá um leve pigarro e anuncia:

"Ladies and gentlemen..."(e Larica se ajeitou na poltrona, sorrindo pro casal ao lado): "Mr. Sinatra is sick..."

Larica sempre admitiu saber pouco mais do que "The book is on the table", mas à aula do "sick" ele não tinha faltado. Poderia ser headache, mas não. Era "sick" mesmo. Não ouviu mais nada. O movimento das pessoas indicava, claramente, que não haveria show. Se Neruda confessa que viveu, ele confessa que chorou. Seu mundo caiu. Só ouvia o barulho das jóias saltitantes de gordas senhoras, como bem descreveu John Lennon. Era um tal de "fock" pra lá, "fock" pra cá, e ele sem entender nada.
"E agora? Vão devolver pelo menos o dinheiro do ingresso?", pensou. Um funcionário do teatro subiu o degrau da escadaria e disse algo semelhante a: "vocês podem passar a partir de amanhã que nós devolveremos o dinheiro...". No meio da confusão, ele ainda tentou argumentar com o cara: "please, Mr. I am a brazilian man and... and... (and o quê? Não conseguia dizer mais nada).

Voltou frustrado para o Brasil. Um mês depois, ao receber o extrato do cartão, estavam lá descontados os 100 dólares do show. Não acreditou. Mandou carta para a administradora, e eles alegaram que ele deveria ter reclamado no dia seguinte ao show. Mas como? Tomou um trambique do Radio City de Nova Iorque.

E aquele foi o último show de Frank Sinatra, pois depois do "sick", veio o "dead" e Larica "dance".

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