"Desde pequeno - tenho 49 anos - me acostumei com a ideia de que havia quatro grandes clubes de futebol no Rio: Botafogo, Flamengo, Vasco e Fluminense. Bangu e América tentavam correr por fora, beliscavam vitórias e, de vez em quando, um título. Lembro que, nos chamados clássicos, a arquibancada era dividida. Metade pra cá, outra metade pra lá. Isso, mesmo que jogo fosse do Flamengo contra o Botafogo ou o Fluminense. A divisão se refletia na sociedade, como mostra o ótimo livro da Cláudia Mattos, o Cem anos de paixão.
Ao longo dos anos - 40 anos, muito tempo - o panorama mudou. O Botafogo passou duas décadas sem títulos, o Vasco colecionou vices campeonatos e conviveu com uma ditadura interna, o Fluminense montou sua Máquina (Rivelino, Paulo César, Edinho) e não conseguiu manter uma certa regularidade.
O Flamengo, lá pela metade dos anos 70, teve a sorte e a competência de montar um timaço, aquele de Zico, Júnior, Leandro, Andrade, Adílio, Carpegiani. O rubro-negro ficou na moda, passou também a ser cultivado num universo mais sofisticado, foi para as colunas sociais, seu baile de carnaval virou referência chique na cidade. O clube sempre idenficado com os mais pobres virou também o clube dos ricos, desbancou o Fluminense. Grosso modo: o Fluminense virou o dinheiro velho, a nobreza decadente; o Flamengo passou a ser o novo e poderoso rico, temido e admirado - como aqueles tais yuppies, agressivos nos negócios, na luta pelo poder.
Time da Zona Norte, ligado à colônia portuguesa, historicamente sacaneado pelos clubes da Zona Sul (vale ler O negro no futebol brasileiro, do Mário Filho), o Vasco tentou resistir. Afinal, tinha a segunda maior torcida da cidade. Como tinha também o segundo melhor time, eternizou-se na condição de vice. Pra piorar, seu dirigente máximo tratou de fomentar a rivalidade com o Flamengo, a estimular a violência, a agressividade. Juntas, fome, vontade de comer e a própria violência na cidade geraram uma situação quase insuportável, a ponto de impedir que torcidas rivais subam a mesma rampa do Maraca.
Sem ter nada a ver com a incompetência dos adversários, o Flamengo cresceu e conquistou uma hegemonia que se tornou desastrosa para o futebol do Rio. Não defendo a teoria da conspiração, mas sustento que, no futebol como na vida, o mundo gosta de sorrir para os mais fortes. Na prática, os juízes cariocas tendem a favorecer o Flamengo. São subornados? Acho que não, apenas não são bobos.
Para não parecer perseguição com o Flamengo. Em 2006, o Botafogo foi escandalosamente favorecido quando disputava a Taça Guanabara com o América. O juiz deixou de marcar um pênalti claro contra o alvinegro. Tinha sido comprado? Não creio. Apenas o sujeito olhou para as arquibancadas, viu que havia 90% de torcedores do Botafogo. E achou melhor não complicar a festa da maioria. No nível internacional, a seleção brasileira conta com uma histórica simpatia dos árbitros.
Ao longo dos anos, a torcida do Flamengo passou a ir mais aos estádios. As histórias de violência - principalmente nos jogos contra o Vasco - afastaram torcedores de outros times. Criou-se o discutível mito de que os rubro-negros são mais violentos. São, sim, maioria. E isso assusta. Na prática, o sujeito comum, não organizado, pensa duas vezes antes de ir ao Maracanã em dia de jogo contra o Flamengo. As arquibancadas deixaram de ser divididas.
Na imprensa, a geração Zico chegou ao poder, desbancou a antiga tradição de jornalistas esportivos alvinegros (João Saldanha, Oldemário Toguinhó, Sandro Moreyra). Os caras mandam nas redações - e é fácil conferir o resultado disso nas páginas.
Dono da maior torcida, da maior quantidade de títulos, simpático à imprensa, o Flamengo também papou a maior parte das verbas publicitárias, reforçou sua identificação com o Rio. A cidade, no seu aspecto esportivo, era vista como um mosaico, fruto da divisão/integração das quatro grandes torcidas. Hoje, o Rio é identificado com o vermelho e o preto.
Por sorte, tanto poder gera divisões. A roubalheira no Flamengo (nenhuma acusação aos atuais dirigentes, apenas uma consideração, digamos, histórica) impede que o clube se torne uma potência absurda (que bom!). Os torcedores são tantos que acabam brigando entre si. Mas tanto poder também gera intolerância, desprezo pelos diferentes, por quem segue outra cartilha, prefere outras cores. Tanto poder vira semente do autoritarismo, de um tipo de intolerância quase fascista. Não estou dizendo, claro, que rubro-negros tendem ao fascismo. Afirmo que hegemonias - tenham as cores que tiverem - volta e meia descambam para comportamentos autoritários, intolerantes, fascistóides.
Com medo de tanto poder, juízes tendem sim a, na dúvida, apitar de forma favorável ao Flamengo. Aconteceu em 2007, na final do Carioca. O gol do Dodô em 2007 - que decidiria o campeonato a nosso favor - não teria sido anulado (e ele não teria sido expulso) se seu uniforme fosse rubro-negro. Aconteceu domingo passado, naquele escandaloso pênalti não marcado a favor do Vasco.
Enfim, a vitória do Botafogo é necessária para arejar o futebol carioca, para acabar com a lógica do partido único, para afastar qualquer possibilidade fascistóide. A vitória do Botafogo é essencial para a democracia. E, claro, a vitória do Botafogo é essencial para mim".
17 comentários:
Sou flamenguista mas concordo com 90% do que ele falou. Mas vou torcer pro meu Flamengo...
SRN
Pô, Srn, se concorda por que não vira (botafoguense) de vez?
Se este tipo de pessoa que escreveu o texto representa de alguma maneira a intelectualidade brasileira, pobre do país em que vivemos.
Não vou entrar nem no mérito das hipóteses (?!?) do bem-intencionado rapaz. Apenas digo que a única linha decente e verdadeira que escreveu foi a última.
Ainda bem.
Amigo PC, boa tarde!
Concordo com boa parte do texto, estou ate torcendo para que o Botafogo ganhe logo este primeiro jogo e fique logo com este titulo. Pois acredito que este titulo estadual representa muito para o Botafogo time de minha mãe, que por isso tenho até uma pequena simpatia. Já para o Flamengo este titulo não representa nada, pelo contrario so atrapalha nosso desempenho na Libertadores, campeonato que deveriamos estar focado e que tem uma representatividade real para um time como o Flamengo.
Que finalmente vença o Botafogo!
Abraços,
Rodrigo
PC,
Gosto do meu Mengo, mesmo com todos os defeitos.
SRN
Aliás esse texto é o que mais se aproxima de uma possível verdade de todos os que li sobre o Flamengo (na visão de um adversário).
SRN
Pensei que o texto fosse do PC, o colunista iniciou com "tenho 49 anos agora" e quase me enganou.
Sobre o arrazoado, parece-me um ponto de vista sustentável, principalmente nos últimos dez anos.
Léo
Não tem o estilo do PC... E iria começar assim: Tenho 69 anos...
SRN
Também concordo com quase tudo que o jornalista escreveu, não tenho olhos fechados para o que acontece, como eu escrevi no domingo, óbviamente o Vasco foi prejudicado.
By the way....viu PC, teu amigo botafoguense citou apenas o impedimento do Dodô, entendo tua indignação, mas foi penalty no F. Luciano, e essa do Juan não ter sido expulso nem comento, mas esse é teu moto, fazer o que (rs)
E esses fatos que acontecem sobre arbitragem favorecer times de maior apelo na mídia não é exclusividade nossa, veja qualquer jogo internacional...tenho grande simpatia pelo Milan, e já cansei de ver juizes favorecer os rossoneri, assim com Juve e Inter, mesma coisa com o Bayern München,Barcelona,Ajax,Boca,Figueirense por aqui, e etc.
Texto muito bom. Esqueceu alguns roubos, mas não tira o vlaor do texto
Realmente foi uns dos melhores texto que ja li, concordo tambem com quase tudo que foi escrito, mas vou continuar torcendo pro flamengo.
Realmete é um belissimo texto PC, mas dai a o Foguinho ter que ganhar para arejar o futebol do Rio e muito né? Principalmente com este timinho mediocre e desorganizado, Só lamento, se o futebol tivesse lógica, venhamos e convenhamos o mengão ganharia de muito, quanto aos "favorecimentos aos grandes" a sociedade é assim, seu time é que deveria passar a agir como grande, talvez desta forma não fosse favorecido apenas contra os pequenos, chega de chatice futebol é dentro das quatro linhas.
"Se este tipo de pessoa que escreveu o texto representa de alguma maneira a intelectualidade brasileira, pobre do país em que vivemos.
Não vou entrar nem no mérito das hipóteses (?!?) do bem-intencionado rapaz. Apenas digo que a única linha decente e verdadeira que escreveu foi a última.
Ainda bem."
É impressionante como certos framenguistas brigam com os fatos. Roubam 3 vezes seguidas o Botafogo em decisões e chamam os botafoguenses de chorões. Ganham um Brasileirão porque os outros times entregaram seus jogos e dizem que foi "na raça" (rs). Roubam do vasco e agora os vascaínos é que são chorões. O site Terra faz um levantamento e prova que o Framengo é o time mais beneficiado pelas arbitragens, mas dizem que o Terra está enganado. Agora, o talentoso repórter e colunista Fernando Molica, com trânsito livre e conhecimento das principais redações do Brasil, faz um texo historiando e provando as razões de o Framengo ser tão beneficiado e o nosso amigo anônimo nega os fatos e parte para discutir a "intelectualidade brasileira".
Prezado e querido anônimo signatário do texto acima, só espero que os jovens torcedores do Framengo não entendam as "vitórias" do clube como vitórias da ética. Se assim pensarem, nosso futuro será caótico.
Assuma que nem o outro colega fez: "Ganhar roubado é muito mais gostoso" e a gente vai poder saborear em paz o nosso milkshake de ovomaltine do Bob´s (se for carioca, vai entender).
grande abraço
pc (do meio da rua)
" (...) chega de chatice futebol é dentro das quatro linhas".
Depende, nobre amigo. Dentro das quatro linhas contra o Framengo é um pouco difícil. E e´impressionante. Repito. Framenguista foge da verdade como o Adriano foge dos treinos. CHATICE, nobre amigo, é ver o mesmo time sempre sendo beneficiado pelas arbitragens. Ou você também acha que botafoguenses e vascaínos são chorões? Te cuida, Flu: a sua hora vai chegar. Se é que já não chegou.
O framengo é tri vice do Fluminense.
O texto está muito bem escrito. Muitas das idéias que venho defendendo há algum tempo, estão muitíssimo bem delineadas nas palavras desse excelente jornalista. Assim como ele, não acho que os árbitros apitam apenas em favor do Flamengo. Acho que eles apitam, sim, para o time de maior camisa. Também costumo citar esse exemplo do jogo entre Botafogo e América. Tivemos o mesmo na final entre Fluminense e Volta Redonda – tudo bem, nesse caso teve a agravante de que o Flu comprou metade do time do adversário antes do segundo jogo da final, mas isso já outro papo.
O problema é que a influência do marketing hoje é bem mais pesada. Antes, todos (inclusive os adversários) queriam, precisavam da presença do Flamengo nos jogos finais. Mas, era uma questão de lotar o estádio. Puramente, renda. Hoje, o buraco é mais embaixo. A pressão por audiência, por venda de pay-per-views, por vendas de cotas de anunciantes, leva a Globo a nem mais disfarçar sua preferência pelo rubro-negro. A diferença do Fla pros outros sempre existiu, mas hoje é enorme. O juiz trata um Flamengo x Vasco como se fosse um Flamengo x América. Ele não tem MEDO, ele não nem RECEIO algum de errar contra o Vasco. Errar contra o Vasco não dá mais polêmica na segunda-feira; gera, no máximo um burburinho.
Agora se errar contra o Fla... Os coleguinhas na redação não perdoam. Seja pela paixão, seja para vender jornais, lavando a alma da massa rubro-negra rancorosa, eles dedicam todo o espaço possível no jornal para crucificar o juiz e a dar status de tragédia ao erro. Tudo para garantir que tal fato não ocorra outra vez.
Faço coro com Fernando Molica e torço pela vitória do Botafogo, pois isso fará um bem enorme ao futebol carioca e vai restaurar a verdade dos fatos.
Vascão 2010
Muito bom este texto, mas no final estava escrito de forma subliminar: Se o arco-íris não ganha no campo, está na hora de roubar o Flamengo (melhor time do Brasil)".
Postar um comentário