segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Crônicas do PC - "O casal e o feijão"

O casal e o feijão
Paulo Cezar Guimarães

O casal entrou na Taberna Alpina, tradicional restaurante de Teresópolis, tombado pelo Patrimônio Histórico, e foi direto ao balcão onde se pedem as refeições para viagem. Ela, grávida, talvez de oito ou nove meses. Ainda tentaram esperar que eu saísse do local, mas desistiram quando viram que eu ainda ficaria um tempo aguardando o meu pedido. Pegaram o cardápio, que estava sob o balcão, deram uma olhada rápida. O rapaz fez o pedido:

“A senhora faz pra mim um salsichão com salada de batatas e um filé mignon com fritas... Uma porção de arroz também.”

A grávida, ansiosa, olhou para o marido e fez com a cabeça aquele gesto do “e aí?”. O marido, envergonhado, fez aquela cara de quem sussurra “pede você”.
Ela, sentindo que o marido não teria mesmo coragem de assumir, falou baixinho para a senhora que atendia:

“E feijão também”.

E olhou para mim, sem graça.

A senhora que atendia no balcão, ingênua, despreocupada, sem saber que o casal imaginava estar cometendo um imperdoável pecado, indagou:

“Vocês querem que coloque o feijão na embalagem de uma porção?" (e ainda disse a palavra feijão bem alto).

A grávida respondeu quase que desistindo do pedido e já corada de vergonha.

“Pode ser, pode ser”.

E acrescentou, em voz alta, olhando mais para mim do que para a senhora que atendia.

“É para a minha empregada...”

O marido, àquela altura, disse que ia comprar jornal e se dirigiu à porta.

Eu, profundo admirador e consumidor do feijãozinho da Taberna Alpina, que costumo comer com espaguete à bolonhesa (qual o problema? Tem gente que come morango com catchup!), de tanto ouvir falar no dito cujo, fiquei com vontade de pedir uma porção também.
Mas e aí? O que eu ia dizer para o casal? Que era para a minha empregada também? Ainda pensei em dizer que era para o meu cachorrinho, mas achei que poderia parecer provocação. Fiquei na minha, esperei os dois saírem, e, procurando disfarçar, chamei a senhora que atendia para um canto do balcão e falei baixinho.

“Pede uma porçãozinha de feijão pra mim também?”

Quase me arrependi. Ela, indiferente à minha discrição, olhou para a copa e gritou:

“Uma outra porção de feijão para esse moço aqui também”.

Saí da Taberna Alpina um pouco assustado. Percebi que todos os garçons olhavam para mim com aquele ar de “lá vai aquele cara que come feijão”. O velhinho, que há anos pede dinheiro na porta do restaurante, também olhou para mim, com ar desaprovador, e deve ter pensado:

“Ué, tão bem apessoado, educado e bem vestido. Mas come feijão”.

Bão sabia que comer ou não comer feijão era sinal de "status". Nunca mais voltei à Taberna Alpina. Minha mulher já me pediu para voltar lá outras vezes e comprar waffle, que a minha filha adora. Fico corado, dou sempre uma desculpa, e não vou.
Ela já está achando que existe algum “motivo obscuro” para eu não querer ir mais àquele lugar. Vocês sabem como é mulher, né?
Ainda pensei em contar a história do feijão, mas achei melhor não. Ela jamais iria acreditar, e ainda ficaria mais ainda com a pulga atrás da orelha. Ou, no caso, com o feijão atrás da orelha.

2 comentários:

Eduardo Lapagesse disse...

Genial! Lembrei-me da piada do "cabelo do feijão". :-)

PC Guimarães disse...

Que piada é essa?