segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

O que faz um escritor?, Fernando Sabino

Fernando Sabino continua sendo um dos meus ídolos. Suas crônicas são pra sempre. Em “O que faz um escritor”, do livro “O gato sou eu”, ele conta a história de uma entrevista que concedeu a uma estagiária de um jornal do Rio. IMPERDÍVEL.

- Me mandaram fazer com você uma entrevista sobre o marquês – e ela foi ligando logo o gravador.
– Que marquês? – estranhei.
- Esse que vocês editaram.
- Não editamos nenhum marquês que eu saiba.
- O autor desse bestseller de vocês, Cem anos de perdão.
- De solidão.
- Ou isso: de solidão. Ele não é marquês?
- Não. Ele não é marquês. O nome dele é Gabriel García MÁRQUEZ. Com z no fim. Se duvidar, é capaz de ter até acento no A.
- Então é isso. Foi confusão minha – e ela não se deu por achada, muito menos por perdida, sempre empunhando um microfone junto ao meu nariz:
- Por que é que o livro dele está fazendo tanto sucesso?
- Porque é um livro muito bom.
- Foi por isso que vocês publicaram?
Respirei fundo:
- Por isso o que, minha filha?
Ela me olhou como se estivesse entrevistando uma toupeira:
- O que estou querendo saber é por que vocês publicaram o livro dele.
- Porque nos foi recomendado como sendo um livro muito bom.
- Recomendado por quem?
- Pelo Neruda.
- Quem?


- Pablo Neruda. Quando ele esteve no Rio pela última vez, falou com o Rubem (Braga) que se tratava do romance mais importante em língua espanhola desde Dom Quixote.
- Quem é esse?
- Esse quem? O Rubem?
- Não, o outro.
- Dom Quixote?
- Não. Esse cara que você falou antes. O que recomendou o livro.
Resolvi deixar cair:
- Você vai me desculpar, minha filha, mas não dá. A entrevista fica para outra vez, quem sabe. É muita honra para um pobre marquês, mas infelizmente... Ou Márquez se você não se incomoda. No mais, muito obrigado.
- Eu é que agradeço!

Ela desligou o gravador, com ar satisfeito, despediu-se e foi-se embora.

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