sábado, 9 de dezembro de 2006

Tudo indica que o Henfil foi enganado...

Tudo indica que o Henfil foi enganado...
Paulo Cezar Guimarães

Todo mundo lembra do Henfil, claro. Aquele que nos “anos de chumbo” tinha um irmão, o Betinho, que João Bosco e Aldir Blanc ajudaram a imortalizar na canção (adoro escrever canção) “O bêbado e a equilibrista”. Henfil fez muitas coisas, escreveu alguns livros. Um deles estou relendo atualmente: “Henfil na China – antes da Coca-Cola”. Narra a viagem do criador do Ubaldo, o Paranóico; Fradim, Bode Orelana, Graúna e muito – muito – mais. Logo no início, Henfil escreveu:

“ (...) Mais da metade da população da China é de policiais. Todos os 900 milhões são comunistas. Ninguém é contra. Quem era foi morto. A direção do Partido Comunista faz o povo trabalhar 24 horas, manda bater em quem sentar para descansar e joga água gelada na cara de quem tentar cochilar em pé. Os dirigentes vivem em palácios, cercados de mulheres, carros último tipo, comendo uva, mel e caviar. (...) Que mais? Mao. Dizem que é poeta. Mas o que ele foi mesmo é um ditador cruel, capaz de qualquer coisa, e que é até admirado pelos policiais ocidentais:a gente devia fazer com vocês o que Mao fez na China”. E por aí vai.

Ironia pura! E lidar com ironia é fogo! Mestre (Luis Fernando) Veríssimo que o diga. Mas por que Henfil 30 anos depois? Por que o livro do Henfil sobre a China 30 anos depois? É que acabei de ler o “tijolaço” “Mao, a história desconhecida”, de Jon Halliday e Jung Chang (a autora de “Cisnes selvagens”). O livro tem quase mil páginas e custa caro pra cacete (R$ 70,00 no catálogo; por R$ 54,00 é possível encontrar na Internet). O texto é razoável, apesar dos “vícios acadêmicos” como o insuportável “com efeito” e o inacreditável “via de regra”. Nós, jornalistas, sabemos muito bem o que é “via de regra” na redação.

O início da descrição do livro nos sites de venda é assim: "Mao: a História Desconhecida é a mais sólida biografia de Mao Tse-tung, fruto de uma década de pesquisa em arquivos do mundo todo e centenas de entrevistas com amigos e colaboradores de Mao - boa parte dos quais nunca havia se pronunciado -, além de personalidades e pessoas que tiveram contato significativo com o líder chinês. Escrito por Jung Chang (autora do best-seller Cisnes selvagens) e seu marido, Jon Halliday, este é um livro cheio de revelações que demolem muitos dos mitos que se assentaram sobre Mao e a história da China moderna. O livro ataca o heroísmo da Longa Marcha, discorre sobre a ajuda financeira e militar da União Soviética de Stalin para a criação e o fortalecimento do Partido Comunista chinês, e desqualifica os relatos de que os rebeldes comunistas teriam enfrentado os japoneses na Segunda Guerra Mundial. (...)”. E por aí vai.

Só faltou dizer que Mao e os comunistas do mundo todo comiam criancinhas; como sempre ouvi na minha infância. Antes que algum aventureiro lance mão, adianto que não estou aqui pra defender Mao, os Comunistas, Muros etc. Minha visão é de Jornalista. Ou melhor, de Jornalismo. De tudo o que aprendi no Jornalismo. Os autores realmente fizeram uma “pesquisa de peso”.

Mas me incomoda o excesso de “tudo indica que...”, “Não há sinais de que...”, “Parece que...”. Tem um trecho que diz assim: “ (...) Isso equivalia a dizer que Mao era louco e sugeria que...”. Fora as frases na página 463: “Mao pode ter sido um dos fatores que causaram o derrame (de Stalin)” e “Mao pode ter ajudado a provocar o derrame de Stalin”. E os adjetivos? Muitos adjetivos. Logo no início, os autores escrevem “Ao usar a palavra ´desobediente´, em especial a respeito de alguém mais velho, Mao revelava seu lado bandido.” Mas logos os velhinhos que sempre disseram que são super bem tratados na China! Um professor amigo, o José Eudes, da FACHA, diz que não lê mais biografias. “Biografias refletem sempre a paixão do autor. Se é a favor, demonstra; se é contra, também”.

Enfim, com efeito e via de regra, são muitas imprecisões pro meu gosto. Mas Natal e Ano Novo vêm aí e quem quiser aproveitar o intervalo da ressaca das castanhas, nozes e avelãs pra investir na leitura do livro, vale a pena ouvir o outro lado da História e avaliar se Henfil foi ou não foi enganado.

2 comentários:

manuporacaso disse...

Tente a biografia política de Mao por Stuart Schram. Prefácio de Paulo Francis que diz: "Mao é digno de figurar em cia de Lênin e Trótski(...). Ele parece levemente anacrônico ao lado dos burocratas que hoje chefiam o comunismo mundial. Se não fossem dessidências momentâneas, afinaria com a capacidade de improvisão de Fidel Castro, Guevara e outros jovens revolucionários".
Vale lembrar que a edição que tenho é de 1968!!

PC Guimarães disse...

É um tijolaço de capa vermelha também? Mas é bom não esquecer que o genial Francis era polêmico também. Mas vou ver se consigo o livro que você sugeriu. Obrigado pela dica.