terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Crônica do dia

Na suíte com o Rei



Paulo Cezar Guimarães





Tadinho do Silvio Marinho.
Oito anos de casamento, quatro filhos para criar, não via
a hora de passar um dia inteiro sozinho com a mulher. E esse dia
chegou: seu aniversário.



- Mulher: vamos passar
a tarde num motel.




Deixou as crianças
na casa da sogra, pediu folga no jornal - onde trabalha até
hoje como diagramador da editoria de Esportes -, pegou o carro emprestado
da cunhada, e foram. Para bem longe, em Niterói. Num desses
motéis que tocam todo o repertório do Roberto Carlos
e servem drink para recepcionar os casais. A suíte, com nome
de música do Rei, foi, digamos, escolhida a dedo: “Recordações”.



“Essas recordações
me matam”,
entrou feliz da vida, cantarolando o refrão
da música, meio desafinado.



Tinha reparado que a mulher
carregava uma bolsa grande, pesada. Não perguntou o conteúdo,
mas imaginou que fossem roupas. Ou melhor, lingeries. Ao chegarem
à suíte, telefonou para a copa e pediu cerveja para
acompanhar o amendoim, com prazo vencido, que repousava há
meses, sobre o freezer.



- Amor, você não
vem?
- indagou, ansioso, enquanto bulia no painel com jogo de
luzes, interruptor de tv e rádio, ar condicionado etc.



Há muito não
freqüentava um motel e se divertia como uma criança.
Apaixonado, excitado, aumentou o volume quando ouviu os primeiros
acordes de “Café da manhã”.



“Amanhã de
manhã, vou pedir o café pra nós dois...”


- Amor, vem ver. Pra que serve isso aqui?

- Já vou, benhê.

- O que você está fazendo?



Levantou-se da cama, dirigiu-se
àquele cantinho em que os motéis reservam para a mesa
de refeições, e surpreendeu a mulher numa tarefa incomum
ao local onde estavam.



- Um laptop? Pra que você trouxe esse laptop?

- Ué, benhê, você sabe que estou preparando a
minha tese para a faculdade. O prazo de entrega está quase
chegando. Não posso perder tempo. Vai indo, que eu já
vou.




Homem sabe muito bem que,
nessas horas, é melhor não encrencar. Fingiu que estava
tudo bem e decidiu dar uma caída na piscina.



- Amor, você não
quer dar um mergulho?


- Já vou, benhê.



Quase uma hora depois,
já com os dedos das mãos murchos, devido ao contato
excessivo com a água, saiu da piscina e foi fazer uma sauna.
A caminho do banheiro, percebeu a mulher envolvida com livros, papéis
e um gravador. Reparou que ela nem tinha tirado a roupa ainda.



“Meia taça,
só os óculos”,
pensou, meio sacana, desolado.



Ao sair da sauna já
era quase noite. Ligou a televisão. Primeiro jogo da final
da Copa do Brasil. Jogavam o Botafogo, seu time, e o Juventude,
de Caxias do Sul. Ainda pensou:



“Que bom que estou
de folga. A esta hora estaria na redação aguardando
o fim do jogo. E estou aqui, numa boa”,
pensou.



- Benhê, vou ver
um pouco do jogo. Estou te esperando.




Foram as suas últimas
palavras naquela noite. Recostou a cabeça no travesseiro
e nem chegou a ver um dos dois gols alvinegros anulados pelo juiz.




Dormiu.

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