Esta crônica eu escrevi numa das muitas decepções do meu Botafogo. Foi escrita quando o Botafogo caiu para a Segunda Divisão do Brasileirão. O Bebeto de Freitas, então candidato à presidência do clube, comentou no programa de TV do Juca Kfoury. É uma paródia da carta-testamento do Getúlio Vargas.
Com a atual situação do Glorioso no Brasileirão e sem perspectivas de mudanças, precisei fazer uma nova versão. Foi muito bom conviver com vocês. Adeus.
Adeus mundo cruel. Minha carta-testamento
Paulo Cezar Guimarães
"Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade
e saio da vida para entrar na História
- ou melhor, saio da primeira divisão para entrar na segunda".
"MAIS UMA VEZ, as forças e os interesses contra o Botafogo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre o meu time. Os torcedores do Flamengo não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o meu Botafogo e principalmente seus humildes torcedores das besteiras de André Silva, Anderson Campos e cia. Não tem culpa Ney Franco.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação de juízes e assistentes como o Marçal Filho, o Wilson de Souza Mendonça, o Djalma Beltrami, o Hilton Moutinho, o Marcelo de Lima Henrique e times como o Flamengo, fiz-me parte de uma revolução e venci o Campeonato Carioca de 89 e 90, a Commebol, o Campeonato Brasileiro de 1995, o Torneio Rio-São Paulo de 97, o Carioca de 2006 e outros torneios pelo mundo afora, inclusive um na Espanha. Iniciei o trabalho de libertação e ajudei a instaurar o regime de liberdade social tentando fazer a cabeça de dois sobrinhos para torcerem pro time da estrela solitária.
Tive de renunciar. Um escolheu o Vasco, o outro o Flamengo Voltei ao Maracanã nos braços do povo. A campanha subterrânea do Eurico Miranda, querendo criar a disputa apenas entre dois times no Rio, aliou-se à dos grupos nacionais (Corinthians, Palmeiras, Atlético Mineiro e outros) revoltados contra o período de vitórias dos anos 60. Eurico e o Vasco acabaram na Segundona. Bem feito.
O faturamento de lucros extraordinários conseguido em excursões pelo exterior nos anos 60 foi suspenso no período de Galdinos, Purucas, Tucas e Artures Pai Dégua. Contra a justiça da revisão do salário de nossos craques se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Seven Up e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Hyundai foi obstaculada até o desespero. Hoje vivemos às custas da Liquigás e outras mais (por menos). E ainda nos botaram na FILA. De novo. Não querem que o Botafogo seja livre.
Não querem que o Botafogo seja independente. Assumi a posição de torcedor do Botafogo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho e de um regime de força; era apenas um adolescente. Acabaram com o nosso estádio e nos colocaram nos braços de um marechal. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano.
Mas meu time sucumbiu ao Borer, Rivinha e outros. Veio a crise do Gilson Nunes e depois do Mauro Fernandes, e não valorizou-se o nosso principal produto: os juniores. Tentamos defender o trabalho do Mauro e seus ternos bem cortados e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa equipe, a ponto de sermos obrigados a ceder, escalando o Ruço, Marcelinho Paulista e o Galego. Hoje voltamos a esses tempos com Tony, Lucas Silva, Jean Coral e Fahel. Já se fala até em Josiel.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o meu Botafogo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue e minha camisa número 7 dos tempos do Túlio. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o botafoguense, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo da gozação dos torcedores do Flamengo, inclusive do meu prédio, e hoje me liberto para a vida eterna.
Mas essa torcida alvinegra de quem fui escravo não mais será escrava de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Botafogo. Lutei contra a espoliação da nossa torcida. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio.
Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História - ou melhor, saio da primeira divisão para entrar na segunda".