sábado, 26 de maio de 2007

Crônica: "O senhor tem bundas?"


Preparando um texto sobre o tema "Puta é palavrão?" pro Jornal de Debates, encontrei uma antiga crônica que fiz na época em que Bundas eram vendidas nas bancas de jornais.

O senhor tem B.....?
Paulo Cezar Guimarães

Quem me conhece sabe: embora alegre e brincalhão, sou um cara bastante tímido. Então, imaginem vocês a dificuldade que eu tenho para chegar numa banca de jornal e pedir aquela nova revista do pessoal do Pasquim, a... Bundas!

Como moro em um bairro residencial, não tive coragem de comprar na banca que fica ao lado da minha casa. O jornaleiro me conhece desde garotinho e não ficaria bem eu chegar para ele e dizer: o senhor tem Bundas?

Mas, como quem me conhece também sabe que eu adoro uma "sacanagenzinha", resolvi transmitir aos meus alunos da Faculdade esta estranha tarefa de pedir a Bundas aos outros. Foi o meu tema de prova final: 'O senhor tem Bundas?'. Espero que o
MEC nunca veja essas provas.

Confesso que vivi, digo, que me diverti. As reações de jornaleiros e leitores foram as mais engraçadas possíveis e meus alunos botaram a criatividade para fora. Ainda bem que o nome da revista não é Genitálias, né?

Em um dos primeiros trabalhos que li, o aluno contou que, ao perguntar para o jornaleiro se tinha Bundas, ele indagou:

- A do Ziraldo?

Ele jura ainda que um jornaleiro se confundiu e pensou que se tratava do saudoso e querido Pasquim.

- Aquela revista do Jaguar e do Ziraldo? Só em sebos!

Bundas em sebos? Eu hein?

Todo mundo sabe que foi muito difícil encontrar o primeiro número de Bundas. Pelo menos no Rio de Janeiro. Há quem garanta que só conseguiu a sua (dele, é claro) no câmbio negro.

Teve um aluno que jura ter visto um guarda municipal pegando a revista e cheirando. Outra aluna contou um inusitado diálogo entre uma leitora tímida, já na fase dos 40 anos, e um jornaleiro:

- O senhor tem aquela revista de humor que saiu imitando a Caras - disse ela baixinho.

-Ah, a Bundas? - respondeu o jornaleiro, em alto e bom som na frente de outros leitores.

Outra cena de leitora envergonhada aconteceu na Tijuca, bairro tradicional do Rio, e foi presenciada por um aluno que garante ter visto uma senhora colocar a Bundas na bolsa e sair de fininho. Outro pediu para o jornaleiro colocar a Bundas num saco. Teve uma senhora que apontou: 'quero aquela revista ali'. Teve gente que perdeu a timidez e declarou: 'lendo a revista, a timidez foi se desfazendo aos poucos e comecei a penetrar fundo na leitura'.

Outro leitor, vestido com uma camisa da torcida Força Jovem do Vasco (botei Vasco só para sacanear o Eurico Miranda, dirigente do clube), reclamou, após folhear a revista:

- Pô: só tem bunda desenhada! Que palhaçada!

Não deve ter entendido que o importante é o humor de dentro da Bundas. Teve um desligado que esqueceu o nome da revista e pediu ao jornaleiro a revista Nádegas. Vários alunos juraram ter visto numa banca de Ipanema o jornaleiro esconder a Caras no meio de outras publicações e expor a Bundas com destaque. Outro garantiu
que o jornaleiro se recusou a comercializar a única Bundas que tinha.

- Só tenho uma e é minha. Não dou, não vendo nem empresto.

Este aluno também acha que o leitor parece ter ficado desconfiado se o jornaleiro estava falando da dita cuja ou da revista.

Numa banca do Flamengo, perto do restaurante Lamas, um jornaleiro, com jeito conservador, fez cara da dita cuja e esbravejou com um leitor:

- O que é isso, rapaz? Sou um homem de
respeito.

Mas o que se sabe é que a Bundas esgotou no seu primeiro dia de exposição. Não teve Bundas para todo mundo. E muita gente ficou sem levar Bundas para a casa. Ou para o trabalho. Na Barra da Tijuca, uma emergente mostrou para o marido a Bundas nova
que adquiriu.

De boca aberta diante de um banca, um leitor exclamou: 'Por que não Bocas, em vez de Bundas?' Outro filosofou: 'Quem faz sucesso e ganha dinheiro é quem tem boa bunda e lê Caras. Será que lendo Bundas e tendo uma boa cara é possível fazer sucesso
também?'

Numa banca do Méier, no subúrbio, a velhinha pergunta ao jornaleiro: 'o que é isso que tem tanta gente procurando?' O jornaleiro não perdeu a viagem: 'a senhora com certeza conhece, talvez não esteja ligando o nome à pessoa, ou melhor, à revista'. Outro leitor, daqueles mal-humorados, esbravejou: 'Não entendi a razão de tanta volúpia por essa revista. Preferia algo que entrasse mais profundamente no íntimo das pessoas'. E concluiu: 'sem constrangimentos'.

Outro aluno garante que viu um leitor, super feliz, correndo com a Bundas na mão, após procurá-la em diversas bancas. Outro escondeu Bundas dentro das calças com medo que alguém cobiçasse a sua (a dele). Outro botou a mão em três Bundas e disse que ia levar para os amigos. Ainda outro pediu ao jornaleiro para dar uma olhada em Bundas.

Eu comprei a minha Bundas na Avenida Rio Branco, no centro. Tinha acabado de chegar. Não precisei tirar casquinha na Bundas dos outros. Escolhi uma entre as várias expostas na banca. Lembro que alguém brincou com o jornaleiro: 'o que é isso meu amigo? Colocar Bundas em cima de outras Bundas já é suruba!' Larga criatividade!
Com certeza, não ouviu a história de um outro aluno: minha Bundas está toda amassada! Valeu a pena esperar por Bundas. Demorou, mas chegou o que todo mundo queria. E baratinho! R$ 2,90. Em vez de caras enrugadas, bundas aveludadas. Era o toque de picardia que estava faltando.

Para concluir, só fico imaginando o momento em que a revista chegar àquela conhecida cidade do Rio de Janeiro, famosa por ser a terra onde Garrincha nasceu. O que será que os moradores de Pau Grande vão fazer com a Bundas?

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