domingo, 11 de fevereiro de 2007

Crônica (Bacalhau à piauí)




Bacalhau à piauí
Paulo Cezar Guimarães

E tudo começou com uma mensagem que enviei pra redação da piauí. Eu tinha comprado a revista nas bancas por volta das 11h e entrei no site às 13h15 pra fazer um comentário sobre um artigo. Achei estranho que a edição nova ainda não tinha entrado na página. E “reclamei”, destacando, no final, que:
“Tenho divulgado a piauí no meu blog e até agora nem um almoço o João (Moreira Salles) pagou pra mim”.

Voltei às 18h e nada da capa no site. Mandei nova mensagem, citando os esculhambadores que costumam esculhambar a revista e têm as suas cartas publicadas com respostas hilárias. “Esclarecer” que “o pior é que o papel nem é reciclado”, na edição de dezembro, e “informar” que a vaga de esculhambador-geral foi extinta, na edição de janeiro, são respostas mais engraçadas do que mulher gorda em garupa de lambreta (pra recordar o genial Sérgio Porto).

Sete dias depois, recebo e-mail de Rachel Zangrardi em nome da revista:

“Como você pode reparar, só agora consigo atualizar a nossa seção de cartas. Adoramos o teu furo da capa. E li em voz alta pro Moreira Salles a tua dívida do almoço. Se você morar no Rio, ele promete mandar um motoboy te entregar uma quentinha no almoço de amanhã”.

Promessa, pra mim, é dívida. Decidi continuar o jogo:

“Raquel: tô morrendo de rir com a sua resposta. (...) E parabéns realmente. Divulguei a piauí no jornal da faculdade, www.facha.edu.br - Publicações - Jornal Laboratório, e no meu humilde blog, http://blogdopcguima.blogspot.com/ . Fora os papos informais com amigos. E vou cobrar esse almoço; mesmo que venha numa quentinha. É a minha oportunidade de comer uma quentinha “de grátis” e dizer que foi cortesia de um Moreira Salles. É bom pro currículo”.

Acrescentei cheio de intimidade:

“Diga ao homem que não aceito quentinha do La Mole ou da Parmê (restaurantes duas ou três estrelas do Rio). Mas ele pode ficar tranqüilo, pois sou filho único e só como bife com fritas. Aliás, pensando bem, ele pode trocar o bacalhau a “Zé do Pipo” por, pelo menos, 6 bolinhos de bacalhau, que adoro. Se puder, 3 pastéis de Belém - um pra mim, outro pra minha mulher e outro pra minha filha. Mas tem que ser do Antiquarius (restaurante 5 estrelas do Leblon, bairro chique do Rio); do Manuel e Juaquim (também na faixa de três estrelas) não, eu mesmo encomendo”.

Dizia que sou proletário e anotei meu endereço na Rua Maxwell, em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio, dando, inclusive, as referências para a entrega da “mercadoria”. E que ia avisar ao porteiro do meu prédio. Desejei vida longa para a piauí.

No mesmo dia, a réplica de Raquel:

“PC, aguarde amanhã os 6 bolinhos de bacalhau, 3 pastéis de santa clara e um bilhetinho do João. Hora do almoço, por volta das 14hs. E depois me confirme se recebeu”.

Percebi que na piauí, “o buraco é mais embaixo” e mandei nova mensagem, “botando o gaio dentro”, como se dizia lá na minha rua. Pedi arreglo:

“Vocês agora me deixaram sem graça. Eu estava brincando, pô! Aqui no meu prédio, quando o interfone toca me chamando, ou é cobrador, ou é o cara da Light querendo cortar a luz por falta de pagamento. No máximo, o entregador do Globo e da Folha. E, claro, o cara da Parmê. Manda só o bilhetinho do João e deixe pago um sanduíche de carne assada num desses botecos da Glória. Sem tremoços, por favor”.

Finalizei informando que conheço bem botafoguenses. Eu sou um deles. E João Moreira Salles, o publisher da piauí, é um conhecido torcedor do Glorioso. Não é à toa que a editora responsável pela revista se chama Alvinegra.

“Torcemos por Cremilson, Tuca, Puruca e Galdino (não precisa entender de futebol pra imaginar o que um ataque desses era capaz); passamos 21 anos sem ganhar um título e demos uma volta olímpica na Plataforma com uma caneca enferrujada pra comemorar o gol do Maurício contra a urubuzada. A gentileza de vocês valeu o meu dia. Não foi à toa que o meu horóscopo no Globo (dia 10 de janeiro de 2007) dizia que eu estava a caminho de realizar algum dos meus objetivos da vida. Está lá ipsis litters: "(...) Você está acreditando mais em si mesmo, nos seus talentos e capacidades, e ao mesmo tempo não se deixando obcecar pelo resultado final das suas aspirações (...)".

E continuei “mandando bala” com medo de que o João realmente enviasse os bolinhos:

Aliás, o horóscopo da piauí, na edição desse mês, destaca que nós, piscianos, somos "sensitivos, emocionais, alegres, impressionáveis, sonhadores, criativos e místicos". Sou tudo isso. Só não sei tocar piano nem gaita de foles. Mas posso me converter ao budismo. Que nem o meu sósia Richard Gere. Grato pelo carinho, bom humor e atenção”.

Pra mim, a brincadeira terminava ali. Mas veio a tréplica da Raquel:

“PC, essa piada da quentinha só vai ter graça se levarmos a tarefa até o fim. Fui pessoalmente lá buscar esses bolinhos de bacalhau, fiz questão. Fica mais divertido pra contar pros amigos depois que a piada se materializou de verdade. Agora, não tem mais jeito. A essa hora você já deve ter dado cabo dos bolinhos de bacalhau. Estavam bons?”.

Estavam.

Exatamente às 14h, o interfone tocou. Até pensei que eram os livros que eu tinha encomendado pela Internet... e...

“Seu Paulo ...” (odeio esse seu Paulo; meus alunos me sacaneiam por causa disso, mas foi exatamente assim que aconteceu).

Continuando:
“Tem uma encomenda da revista piauí aqui...”.


Entrei no elevador rindo e nem consegui cumprimentar direto o vizinho do 9º andar. Nas mãos do porteiro, uma sacolinha laranja com o logotipo do restaurante Antiquarius, que vou guardar da mesma forma que guardei a rosa que a minha filha conseguiu pegar num show do Roberto Carlos. Dentro, um bilhete do João e duas embalagens: numa delas incontáveis bolinhos; na outra, doces portugueses.

Tinha acabado de almoçar, mas não resisti aos bolinhos. Abri a embalagem e tracei logo uns 3. Depois, dividi o “tesouro” com a mulher e a filha e subi pra Teresópolis pra tentar preparar “essas mal traçadas”. Antes, contei pros meus amigos do falagalera (um site de relacionamentos entre amigos de infância ou quase) o que tinha acontecido. Mattyi, garoto bem criado de Ipanema, quis saber primeiro se o João tinha enviado bolinhos ou comida. Respondi que eram bolinhos e docinhos e ele jogou lenha no forno: “não rolou aquele arroz de pato e o bacalhau espiritual? Pode continuar reclamando então...“. Beni, filho de ex-ministro, me chamou de “jabazeiro” e avisou que foi assim que um conhecido jornalista começou a sua carreira. Bório, carioca do Recreio que virou paulista do Braz (ou seria da Mooca?), fez gracinhas censuráveis. A única publicável: “ (...) aqui a tabela atualizada do jabá-mensalinho: 1) Bolinhos e docinhos do Antiquarius: eternos elogios no blog e no jornal da faculdade”. O resto, como disse antes, é ilegal, imoral ou engorda.

Aos desavisados que podem tentar se aproveitar da boa vontade do pobre do João e da Raquel, vou logo avisando. Eu tenho borogodó. Sou filho único, pisciano, amigo de infância do Oswaldo Montenegro e adoro cantar o repertório do Wando e do José Augusto no banheiro. Gritar “meu iáiá meu ioiô” ou “agora agüenta coração” a plenos pulmões e fazendo careta diante do espelho é que nem anúncio de cartão: não tem preço. Fazia muito isso também quando andava de moto. O capacete dá uma acústica muito boa. Por isso, não pensem que, a partir de agora, o João Moreira Salles vai ficar mandando presente pra qualquer um.

Meu problema agora é como retribuir a gentileza do João. Pensei em pegar um ônibus e ir até o Antiquarius e mandar o tal do coelho que o Mattyi recomendou, mas não sei se o restaurante aceita fazer um crediário em suaves prestações. Pensei em doar o meu álbum branco dos Beatles em vinil, mas o João deve ter. Talvez uma tortinha de abacaxi do restaurante do meu amigo Moacir, de Teresópolis, mas descobri que derrete na viagem. Quem sabe o indescritível pão de uvas pretas que a minha mãe fazia, mas ninguém na família guardou a receita. Pensei no álbum que tenho anotado todos os jogos do Botafogo no período em que ficou 21 anos sem ganhar um título, mas está todo empoeirado. Creio que a melhor solução é presentear o João com o meu time de botão de galalite, comprado num fundo de garagem em Piedade, que guardo até hoje, desde os meus 10 anos de idade, numa flanela numerada. Mas sem o número 10, o Jairzinho. Esse botão é o meu xodó; mando o reserva, o Sicupira.

Mandei o time. Sem o Jairzinho.

Nas imagens: As embalagens do restaurante Antiquarius e o bilhete do João.

2 comentários:

Marcello Bório disse...

GENIAL, PC ! Como sempre.

... a propósito, mande um GENEAL, PC. Quentinho, com a salsicha ainda colada no miolo.

Talvez o João se lembre do tempo em que o Botafogo ganhava (e jogava bonito).
O Geneal era vendido quentinho em qualquer canto da arquibancada.

Aliás, duas coisas me remetem ao maraca dos anos 70: O Geneal quentinho e aquelas almofadinhas para não acabar totalmente com o 'output' - a minha era tricolor, evidentemente.

Vou até pedir uns bolinhos pro almoço. Mas lá do Rei do Bacalhau da Rua Guilhermina, que eu sou é suburbano, meRmo.

PC Guimarães disse...

Colé, Marcello?
O que a minha multidão de leitores vai pensar de mim? Que papo é esse de mandar a salsicha, meu irmão? E ainda quer que ela vá quentinha! E ainda vem falar sobre o seu "output" no meio da galera!
Depois os tricolores reclamam do refrão.
Obrigado pela visita e pelas palavras carinhosas. Apesar do papo da salsicha.