sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Crônica (Meu amigo Tiburcio)



Meu amigo Tiburcio
Paulo Cezar Guimarães

Quem conhece a figura, sabe:
Tiburcio só existe um, o meu amigo. Branco como a página em que escrevo
este texto, desengonçado, comprido, óculos fundo de garrafa, fala mansa
e pausada, cumprimenta a gente com a mão mais leve que uma pena. Mas
não é por falsidade, não, é timidez mesmo. Se você consegue penetrar
na intimidade dele, passa a conhecer uma pessoa admirável. Astuto, esperto,
inteligente, criativo e, sobretudo, engraçado. Tão engraçado que resolvi
contar três historinhas contadas por ele.
Certa vez, seu pai, que deve
ser tão Tiburcio quanto ele, foi ao banco resolver um problema burocrático
qualquer. Chegando ao caixa, percebeu que a moça tossia muito. Amável
e prestativo, quis ajudá-la e disse-lhe que o melhor remédio para passar
a tosse era levantar os dois braços e respirar fundo. Ela aceitou o
conselho. Alguém de longe viu a cena e gritou:
"É um assalto!".
- Foi a maior confusão – conta Tiburcio.
- As demais caixas se abaixaram, os outros funcionários
esconderam-se atrás de armários e uma das subgerentes desmaiou.
Pulou gente pra tudo que é lado. Até que o gerente, já debaixo de
uma mesa, pensou: ‘Não pode ser. É o seu José. Ele tem 70 anos.
Não pode estar assaltando’.

Difícil foi esclarecer o caso
à Polícia.
Mas Tiburcio também tem as suas. Certa vez, no Rio, próximo à estação de trem da Leopoldina, meu amigo, que mora em Niterói, estava num ônibus. De repente, passou um trem cruzando a Avenida Francisco Bicalho e o ônibus teve que esperar.
- Sem ter o que fazer – diz ele - fiquei contando os vagões do trem. Maior barato;
68 vagões. Contei tudinho; não deixei passar um sequer.
Quando o trem acabou de passar,
Tiburcio percebeu que o ônibus estava em silêncio total, as pessoas
assustadas e o passageiro ao seu lado totalmente pálido.
- O que aconteceu com você?
– perguntou meu amigo.
- Cara, você não percebeu? O
ônibus foi assaltado – respondeu o passageiro.
- Ih! Então esqueceram de mim!
– encerrou o assunto Tiburcio.
A última história ele chama
de clássica; para mim é lírica:
- Estava cansado, com dinheiro no bolso e resolvi pegar um "frescão" para retornar à minha
casa. Sentou-se ao meu lado um homem de terno, muito elegante e arrumado.
No meio do caminho, puxou conversa comigo, com um jeito meio carente.
Disse ser advogado, famoso, mas uma pessoa triste. Seus clientes eram
bandidos, traficantes, marginais, corruptos. Abriu seu coração comigo
e chegou a chorar. Contou que tinha medo de ser assassinado por um de
seus próprios clientes. Durante toda a viagem, não me deixou falar um
segundo.
Antes de sair, o advogado quis
saber o que seu companheiro de viagem fazia. E Tiburcio respondeu:
- Eu? Ilustro livros de crianças.
Não ganho dinheiro, mas sou feliz!

Um comentário:

PC Guimarães disse...

Meu amigo Tiburcio
Fez uma gentileza e publicou mensagem no seu interessante site:
www.tiburcio.locaweb.com.br

"PC! até que enfim um blog com seus textos. Tibanautas com verve literária, não deixem de visitar o blog do PC. Um abraço!"

Vale a pena dar uma navegada lá.