Para quem ainda não leu a resenha do jornalista Jorge Murtinho no site da revista piauí, eis abaixo na íntegra.
"Além do jogo que encanta, dos bons organizadores no
meio-campo e de tantas outras coisas técnicas, nosso futebol também tem sentido
falta de histórias pitorescas. Como as que meu pai contava e eu ouvia meio
cabreiro, desconfiado de que havia exageros aqui ou ali, da mesma forma que os
jornalistas Sandro Moreyra e João Saldanha exageravam – quando não simplesmente
as inventavam – nas histórias sobre Manga e Mané Garrincha.
Nos tempos futebolísticos que vivemos, com o politicamente
correto deixando tudo quase sempre muito chato, certos casos do passado soam
falsos ou, ao menos, improváveis. Mas muitos deles são reais. Pois vem aí um
livro sobre um deles. Jogo do Senta, do jornalista Paulo Cezar Guimarães,
descreve em detalhes o que houve no estádio de General Severiano em 10 de
setembro de 1944, quando os jogadores do Flamengo sentaram em campo aos 31
minutos do segundo tempo e assim permaneceram até o apito final, impedindo a
continuação da partida que o Botafogo vencia por cinco a dois.
Existe a versão dos botafoguenses e a dos rubro-negros; a
imprensa que mete o pau na atitude do Flamengo e a que tenta limpar a barra; há
fotos, reproduções de matérias publicadas nos jornais do dia seguinte,
entrevistas com gente que foi muito importante na história do Botafogo
(Zagallo, Paulo Cezar Caju, Paulinho Criciúma e muito mais); e tem também,
sejamos justos, a indisfarçada tentativa de transferir para o Flamengo a fama
de chororô, que acompanha o clube da estrela solitária desde 1904. É do jogo.
Só para deixar os torcedores – sobretudo os botafoguenses –
com água na boca, Questões do Futebol traz em primeira mão pequenos trechos de
um dos capítulos de Jogo do Senta.
Com as palavras, Paulo Cezar Guimarães:
Para quem achava que "esse jogo não existiu, "isso
é uma calúnia", "quero ver você provar", "cadê as
fotos?", os jornais da época abriram páginas e páginas durante dias e dias
para falar do "chororô rubro-negro".
O Globo,em sua edição matutina, publicou com destaque no
alto da página 2: "EXPRESSIVA VITORIA DO BOTAFOGO". Na abertura, a
informação: "Quando vencia o alvi-negro por 5x2, o Flamengo recusou-se a
continuar a disputa - Sentaram-se em campo os rubro-negros, faltando quatorze
minutos para o final". No texto, o
jornal escreveu:
"(...) o público, que não tivera o prazer de ver um
match integral da peleja principal da rodada anterior, voltou a ser ludibriado
com a atitude dos players do bi-campeão (...)".
A narrativa conta detalhes de como foi o jogo, até chegar ao
que o jornal chamou em um dos intertítulos da matéria de "ATITUDE DE
INDISCIPLINA" sobre a reação dos rubro-negros ao quinto gol dos
alvinegros:"Confirmado o tento pelo juiz, os rubro-negros negaram-se a prosseguir
na disputa e, depois da consulta feita por Jayme ao vice-presidente do clube,
senhor Francisco de Abreu, os players sentaram em campo, aguardando o apito
final do árbitro. A assistencia vaiou demoradamente a atitude indisciplinada
dos jogadores, vivando os alvi-negros, quando foi dado por terminado o
encontro."
Depois de afirmar que o segundo gol do Flamengo foi
irregular, pois Zizinho empurrou o
jogador do Botafogo, o jornal relatou que o juiz Aristides Figueira "como
demonstrou em outras ocasiões, não possue condições físicas para aguentar os
dois tempos da partida." No final da matéria, no entanto, o jornal
descreveu:"(...) Devido à rapidez do lance, não se sabe ao certo o que
ocorreu. Do local em que nos encontrávamos, pela altura da trajetoria da pelota
e a maneira que voltou ao campo, temos a impressão de que bateu no ferro do
fundo do arco. O juiz apitou para o centro do campo."
Mais um pequeno trecho, que reproduz matéria publicada pelo
Jornal do Brasil:
"(...) A rodada de ante-ontem teve para tirar-lhe o
brilho a inexplicável atitude da diretoria do C. R. do Flamengo, ordenando ao
quadro de seu clube que não prosseguisse na partida quando o juiz consignou o
5º goal do team botafoguense. Mesmo que o juiz tivesse errado, o que somente
podem dizer com mas (sic) segurança as pessoas localizadas próximo ao
retangulo, se a bola bateu por dentro, no ferro, como afirma o árbitro ou na
trave, por fora, como querem os jogadores do Flamengo, ainda assim a atitude da
diretoria do Flamengo não tem justificativa. Foi por demais
violenta."
A parte seguinte do
texto justifica o subtítulo deste livro, “a verdadeira origem do chororô":
"Quando as reclamações serenavam e se tinha a impressão
de que o jôgo ia continuar, viu-se entrar em campo o diretor de football do
Flamengo, Dr Alfredo Curvelo e determinar ao quadro que não prosseguisse na
partida. Como era natural, semelhante gesto que dispensa qualquer comentário
para condená-lo causou verdadeiro espanto e grande decepção. Os jogadores
obedeceram à ordem recebida e se negaram a atender ao juiz, que os chamava para
o reinício da partida. Finalmente o juiz, à vista da negativa, deu a partida
como terminada, nos 31 minutos, com a contagem de 5 a 2 a favor do
Botafogo."
Mais unzinho:
O Diário da Noite, que deu início aos Diários Associados de
Assis Chateaubriand e em alguns momentos suplantou O Globo (jornal que só veio
a se consagrar mais tarde), no dia seguinte à partida, foi um dos poucos
jornais, além do Globo e do Jornal dos Sports, a publicar uma foto dos
jogadores rubro-negros sentados no gramado. O título da matéria dizia que
“Quando o Botafogo marcou o 5º goal o Flamengo resolveu parar em campo.”
Tratando o caso como uma “vergonha inominável”, o jornal
relata a entrada em campo de Alfredo Curvelo, diretor de futebol do clube da
Gávea, após o gol de Geninho, procurando o capitão Jaime “para transmitir a
decisão da diretoria, no sentido de não continuar a luta!”Informa, ainda, que
“o quadro rubro-negro ficou sentado no gramado” e que, após o apito final do
árbitro, “saiu de campo sob vaias, sem que sequer tivesse a gentileza de saudar
o rival que o venceu.”
Sobre o lance em questão, os "correspondentes"
afirmam não ter visto o lance com clareza, mas ressaltam:
“O Flamengo discute a existência de um 5ª goal, numa partida
em que estava nitidamente superado no gramado e em que perdia por 4x2. Nada
mais ridículo e inoportuno, portanto. Vontade de fazer barulho, de criar caso,
de estabelecer confusão. Ou, talvez, de deslustrar a vitória merecida e
brilhante de um rival que merecia maior respeito.”
E esse último
aperitivo, só para deixar claro que meter o pau no juiz é algo que de há muito
faz parte das nossas discussões de futebol:
Já a respeito do árbitro Aristides Figueira, o Mossoró, o
periódico morde e assopra. Por um lado, afirma que “com aquelas banhas, não
acompanha a bola como devia” e que “não tem a energia necessária para punir os
elementos que o insultam durante a partida”, mas salienta: “Se errou no lance
reclamado, teve o único erro grave na arbitragem de ontem. E isso não bastaria
para que o Flamengo fizesse o que fez.”
Quem sabe, com Jogo do Senta, autores e editoras não se
animam a recuperar e publicar muitas outras dessas deliciosas histórias que
fazem a história do futebol brasileiro? Lançamento em 10 de setembro de 2014,
comemorando os setenta anos do inusitado acontecimento."
Muito bom PC. Muito bom.
ResponderExcluirValeu, querido. E sua camisa continua na mão.
ResponderExcluirMuito bom PC.
ResponderExcluirMas que a galerinha ("a galerinha") vai amar o trecho abaixo, disto não tenho dúvidas.
".......forma que os jornalistas Sandro Moreyra e João Saldanha exageravam – quando não simplesmente as inventavam –......."
Eles se agarram a estas passagens como náufrago a rabo de tubarão.
Conselho para roubonegros.
ResponderExcluirNa comemoração dos setenta, sessenta. Senta e lê como se deu (e se dá) a história, quando não é somente pautada por uma certa família aí.