Muitas coisas me incomodam. São: gente comendo pipoca em cinema, gente falando alto no mêtrô (onde adoro ler) e gente falando alto ou fazendo joguinho no celular. Fora os brucutus que passam na frente de mulheres e idosos ao entrar no ônibus ou no metrô. Tem outras. Já disse que, quando ficar velhinho, vou comprar uma bengala só pra dar cipoada em malas urbanos.
Carlos Heitor Cony, na Folha paulista de hoje, escreveu um belíssimo artigo sobre o celular.
Lua-de-mel em Bariloche
CARLOS HEITOR CONY
RIO DE JANEIRO - Das muitas coisas que não entendo, uma é a mania dos usuários de celular de fazerem os outros participar contra a vontade de suas venturas e desventuras. Minha curiosidade pela vida alheia não chega a tanto. Outro dia, num restaurante, em mesa próxima, uma senhora falava com uma amiga que lhe contava detalhes da lua-de-mel da filha num hotel de Bariloche.
De início, não prestei atenção, mas era impossível não ouvir a história de um casamento que terminou no segundo dia da lua-de-mel. É bem verdade que só ouvia parte do diálogo, que me pareceu escabroso -a minha vizinha de mesa estava indignada, mais do que isso, insultada. Seus comentários, inicialmente, eram de espanto, mas aos poucos foram se tornando perplexos e terminaram escandalizados.
A coisa começou com um genérico pesar pelo casamento desfeito. "Que pena!, nem deram tempo para melhor se conhecerem". Os comentários foram aumentando de gênero, número e grau. Depois de certo tempo limitaram-se a exclamações, revelando descrença: "não, não é possível!", "não acredito!", "não, não me diga!", "o quê?".
Houve um silêncio em que a senhora, olhos arregalados, apenas ouvia o que a outra contava. Durou pouco o silêncio. Aumentando o tom de voz, ela estertorava: "não é possível, oh não, não acredito, o quê???, por trás?".
O restaurante estava cheio. Com o desenvolvimento da conversa, todos fingiam não prestar atenção aos lances nupciais de Bariloche. Não se ouvia o barulho de um talher, os garçons pisavam mansinho.
É bem verdade que, após o último detalhe, a conversa esfriou e logo acabou. Todos voltamos a comer, mas paramos outra vez. Desligado o celular, a senhora ligou-o outra vez. Entrou de sola no assunto: "Você não imagina o que acabei de saber!".
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