quarta-feira, 25 de abril de 2007

Beijo no asfalto, digo, no gramado


Belo texto de Ruy Castro hoje na Folha sobre o beijo que o jogador da Cabofriense deu no juiz no jogo contra o Glorioso.
O beijo no gramado
RUY CASTRO
A cena se repete em todos os jogos de futebol que contam com a bandeirinha Ana Paula Araújo nas quatro linhas. Jogada a moeda para o alto, e a instantes de ser dada a saída, o juiz beija a bandeirinha, o outro bandeirinha beija a bandeirinha e o quarto árbitro também beija a bandeirinha. Ato contínuo, os dois capitães beijam a bandeirinha, o representante da federação igualmente beija a bandeirinha e a torcida terá sorte se os gandulas, o chefe do policiamento e os repórteres de campo também não beijarem a bandeirinha.
Os beijos são na face, lógico, e significam apenas votos de boa sorte. Mas Ana Paula Araújo é uma mulher bonita, e o uniforme de bandeirinha lhe cai muito bem. Antes dela, milhares de bandeirinhas do sexo masculino, feios e de pernas finas e arqueadas, também já precisaram de votos de boa sorte e nunca foram beijados pelo árbitro ou por ninguém.
Domingo último, no Maracanã, aos 4 minutos do segundo tempo de Botafogo x Cabofriense, Cléberson, beque do time de Cabo Frio, chuteira 44 e quase dois metros de altura, foi se defender da marcação de uma falta pelo juiz Ubiraci Damásio. Para tanto, aplicou um beijo no rosto do árbitro. A televisão mostrou. Num primeiro momento, Sua Senhoria, tomada de surpresa, pareceu afagar a careca do zagueiro. De repente, deu-se conta de sua autoridade civil. Exclamou: "Você não pode me beijar!", e aplicou-lhe o cartão amarelo.
Que todos queiram beijar a bela bandeirinha, é normal. Mas que um beijo, por mais inocente, tenha surgido naquela zona do gramado onde o pau canta e a virilidade campeia pareceu-me um momento de humanização do futebol. Pena que o juiz não tenha entendido assim. Em minha opinião, ao se ver beijado, ele deveria ter retribuído o beijo e oferecido a outra face.

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