segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Crônica: Voyeur de cybercafes


Voyeurs de cybercafes
Paulo Cezar Guimarães

“Gabriel García Márquez, né?”.
“É”.
“Bom, né? São quantos volumes?”.
“Cinco”.
“Vai ler todos?”.

Metrô é fogo. Ônibus também. Rua de modo geral; até dentro do prédio ou do condomínio. Basta abrir um jornal, uma revista ou um livro em qualquer lugar público que alguém quer dividir a leitura com você. Tem gente que fica sem jeito. Os tímidos ficam na dúvida entre virar a página e aguardar o vizinho acabar de ler o título ou a notícia que se está lendo; os egoístas e maquiavélicos viraram a página de propósito, dobram o jornal em pedacinhos e ficam de lado pro sócio na leitura.

Outro dia no ônibus, indo da Rodoviária pra Copacabana, eu estava acabando de ler “Eu vi Ramalah”, do poeta palestino Mourid Barghouti. Não chega a ser a “Odissea”, de Ulysses, mas também não é nenhum auto-ajuda vulgar. Percebi que alguém atrás de mim se curvava pra ler o que eu estava lendo. Era um senhor de uns 60 e poucos, 70 anos de idade. Aparência humilde e roupas simples.

“É sobre a Guerra no Iraque?”, perguntou.

“Não, é sobre a relação entre israelenses e palestinos. Algo assim”, respondi.

E o homenzinho desandou a filosofar sobre os problemas do mundo, com grande conhecimento de causa. Tive vontade de dar o livro pro cara. Só não o fiz porque a geladeira lá de casa tem andado um pouco vazia e livros, cá entre nós, estão custando “os olhos da cara”, como se dizia antigamente.

Tem gente que passa a pensar que conhece suas preferências pessoais por causa dos livros que você lê. Uma vez, no playground do prédio onde moro, a mulher do vizinho puxou papo:

“Escuta aqui. O senhor gosta do Hitler, né?”, perguntou.
“Como assim?”, respondi, perguntando também.
“Ué! Vi o senhor lendo um livro do Hitler outro dia”.
“Mas isso não quer dizer que eu gosto do Hitler, minha senhora...”.

Imaginem se ela me visse lendo o “Kamasutra” ou alguma história de “Jack, o Estripador”?

Mas também tem o seu lado bom. Um colega de jornal lembra da vez em que foi publicada sua primeira matéria assinada no Globo. Entrou no ônibus e viu um passageiro lendo o quê?

O Globo. Justamente a matéria dele. Dava pra ver de cima. Ficou olhando de longe. Teve vontade de se aproximar e dizer que aquela matéria tinha sido escrita por ele. Mas será que o cara acreditaria? O que será que pensaria dele? Imaginou até pegar a carteira de identidade para provar que o autor da matéria era ele. Mas homônimos existem. E um homônimo do autor da matéria poderia estar no ônibus justamente na hora em que aquela pessoa estava ali. E achou que seria ridículo ficar discutindo com o cara pra provar que ele era ele. Desistiu.

Um outro amigo coleciona revistas de mulher pelada, mas tem vergonha de comprar. É que nem criança de antigamente quando a mãe mandava à farmácia pra comprar “modess” – aqueles absorventes femininos do tempo da vovó que vinham embalados em papel rosa e todo mundo de longe sabia o que era. Quem tem mais de 50 anos de idade lembra bem. Certa vez, repórter do Globo cobrindo o Palácio Guanabara, estava distraído na sala dos repórteres lendo, ou melhor, vendo, a Playboy. Foi justamente naquela página que abre em forma de pôster que a porta abriu: era o secretário de Justiça de Brizola, Vivaldo Barbosa, mineirinho sério e formal.

“Olá!”, disse o secretário, sorrindo.

“Herr, herr, ops, oo ... olá ... secretário. Tudo bem?”.

Tentou virar a página rapidamente, mas já era tarde:

“Lendo revista de sacanagem, né, meu camarada?!”.

Estava fora do Rio e entrei num cybercafe. Estava lotado e tive que esperar uma máquina disponível. Meu espírito de “voyeur de cybercafes” veio à tona. Fiquei olhando de longe pra ver onde as pessoas estavam navegando. Curiosidade de repórter. Uma boa desculpa. Muitos joguinhos e, claro, orkut a dar com o pau. Não vi ninguém lendo sites de notícias ou blogs. Num canto da loja, um sujeito sinistro, como se diz hoje em dia, mudou rapidamente a tela, quando percebeu que eu estava olhando pro seu monitor. Mas deu pra perceber mesmo assim: o cara estava navegando num site pornô. Não deu pra confundir o que ele estava vendo. E justamente naquela parte que dobra...

Um comentário:

  1. Muito obrigado, Jorginho. Meus leitores vão ter certeza de que vc me ama.
    bjoca

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