domingo, 21 de janeiro de 2007
Clipping do Blog ("Sobre sorrisos, morte e café", Plínio Fraga, na Folha)
Sobre sorrisos, morte e café
Plínio Fraga
Jornalistas raramente fazem os leitores sorrir. Os poucos que detêm tal qualidade merecem registro. Ben Bradlee, ex-diretor de redação do "Washington Post", definiu assim o jornalista e humorista norte-americano Art Buchwald, morto na quarta-feira passada aos 81 anos.
Internado em um hospital, havia desistido de fazer hemodiálise. "Recebi prêmio literário, fui eleito homem do ano. Não imaginei que morrer podia ser tão divertido", escreveu às vésperas da morte.
No obituário que publicou, o "New York Times" registrou como um dos seus textos mais engraçados uma viagem à Turquia em busca dos banhos turcos -estufa onde se reveza a exposição do corpo ao vapor d'água em alta temperatura com a imersão em água gelada.
A graça desse texto de Buchwald estava na descoberta -entendida aqui como o ponto de vista de um norte-americano - da não-existência de banhos turcos na Turquia.
Uma das míticas reportagens da imprensa - "Frank has a cold", escrita por Gay Talese- mostra o fracasso do repórter em entrevistar Sinatra, acometido por gripe que causa efeitos colaterais em uma centena de pessoas da sua equipe.
Como se vê, o talento pode estar em enxergar a notícia em um não-acontecimento. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, bradou na sua despedida que a imprensa brasileira se submete ao imperialismo americano. Uma bobagem. Os problemas do jornalismo brasileiro são outros. O pior deles é transformar uma não-notícia num acontecimento. Em Brasília, os palácios, os ministérios e o Congresso parecem ser o cativeiro reprodutivo da não-notícia que desabrocha em acontecimento.
Em homenagem a Buchwald, revela-se aqui uma notícia de um não-acontecimento: não há café carioca (aquele mais ralo) no Rio.
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