domingo, 3 de dezembro de 2006

Crônica 1 (A Picanha do Gaspar)

Aos poucos, vou postar algumas crônicas que curti escrever. Começo com "A picanha do Gaspar". Gaspar é um grande amigo de Teresópolis.

A picanha do Dom GasparPaulo Cezar Guimarães


Satisfeito é apelido, como se dizia antigamente. O casal ficou encantado. Finalmente, os dois tinham conhecido a tão decantada picanha do Dom Gaspar, de Teresópolis, da qual tanto tinham ouvido falar.
Provaram e aprovaram todo o ritual da pequena churrascaria, que funciona num antigo galpão nos fundos de sua casa: as saladas e “iguarias“ frescas e temperadas especialmente, o arroz apoteótico preparado por sua esposa, Donana, a farofa na manteiga, o feijão especialíssimo. Ciceroneados por Dom Gaspar, conheceram detalhes da exótica decoração da casa, onde predominam objetos como antigos ferros de passar roupa, esporas e equipamentos de cavalaria, alguns trazidos da cidade uruguaia de Colônia Del Sacramiento, onde nasceu. Uma carcaça de tatu e uma raquete de tênis quebrada também são destaques na insólita decoração. Sem falar na “índia” de pedra formada por uma mistura natural de rochas e plantas.
Só não contavam com o desfecho da conversa:

– Gostaram? Querem conhecer o mictório? – indagou Dom Gaspar.
– Como? – perguntou o marido.
– Mictório. Foi todo reformado.
– O senhor quer dizer o toilete?

Patrícia, uma das filhas de Dom Gaspar (que tem mais quatro filhos: Francisco, Maria Dolores, Tomaz e Gaspar), percebeu de longe que, mais uma vez, o pai tinha se enrolado com a língua, e interferiu na conversa:

– Desculpe, gente. Papai deve ter chamado vocês para irem ao escritório, né?

Gaspar, de 70 anos, é uma figura carismática; uma espécie de hemingway latino. Quase dois metros de altura, usa rabo de cavalo, cavanhaque e se veste com bombachas. Como quase todo uruguaio e argentino que vem viver no Brasil, não perdeu o sotaque castelhano até hoje, e às vezes fica difícil entender o que ele diz. Por causa disso, de vez em quando, se mete em situações embaraçosas. Certo dia, ao tentar ser gentil com uma cliente que não apreciava carne de vaca nem de frango, perguntou se ela queria um “beijinho”.

– Como? - perguntou, intrigado, o marido da moça.
– Um “beijinho” - respondeu Gaspar.

Patrícia precisou intervir mais uma vez.

- O que houve, gente?
- Seu pai está perguntando à minha esposa se ela quer um beijinho.
- Nããããão!!!! Ele quis dizer “peixinho”. Peixe. Na brasa. É uma delícia.

Mas não é somente sua pronúncia que provoca mal entendidos; seu nome também. Como no dia em que foi providenciar a documentação para o casamento da filha.

– Como é o seu nome? - perguntou o padre.
– Gaspar Francisco Porras.

O padre, que estava de cabeça baixa preparando-se para anotar o nome, olhou espantado para Gaspar.

– Como, meu filho?
– Gaspar Francisco Porras.

Imaginando existir uma vírgula entre o Gaspar Francisco e o Porras e ignorando o plural, o padre irritou-se:

– Desculpa, mas o senhor está sendo deselegante.
– Deselegante por quê? - perguntou Gaspar.
– O senhor está falando um palavrão.
– Mas é assim mesmo: Gas-par – Fran-cis-co – Porras. Por-ras é meu sobrenome.

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