Belo texto do meu camarada é talentoso historiador botafoguense Rafael Casé sobre Bruno Silva e todos que estão fazendo corpo mole nesse final de Novembro após uma bela campanha no ano.
UM GESTO DE ADEUS (senta que lá vem textão)
Se torcedor é passional, eleve esse fator ao cubo, e você estará se aproximando de um coração botafoguense.
Não é fácil ser jogador do Botafogo. Mas também não é nada fácil torcer pelo Botafogo.
Se o sujeito, realmente, quiser fazer diferença portando aquela estrela no peito, se quiser ser lembrado (nem digo idolatrado) com carinho por essa torcida, tem que demonstrar, antes de tudo, vontade. Talento nem sempre é o fator primordial para que surja uma sincera admiração. Em um clube com gigantescos craques (talvez nenhum outro possa se orgulhar de uma constelação de foras-de-série assim), também há espaço para os que se esforçam, suam, se entregam; para aqueles que demonstram amor (nem digo pelo clube, pois no futebol de hoje, isso é cada vez mais raro) mas pelo jogo em si, pela bola... Esses também têm vez no acolhedor e doído coração de um botafoguense.
O time do Botafogo de 2017 esteve muito longe de ser um grande time, mas se mostrou, em muitos momentos, um time grande. União, dedicação e força de vontade trouxeram, a reboque, mais um jogador: a torcida. E aí, a química se fez. Gatito se agigantou, Carli virou xerife, João Paulo deu seu sangue (literalmente, e mais de uma vez), Bruno Silva jogou como nunca e Rodrigo Pimpão desandou a fazer gols inacreditáveis.
Vi a torcida feliz. Ninguém se iludia em relação à qualidade desse time, a fragilidade era latente, mas havia um algo a mais e isso era suficiente para ir ao Nilton Santos com uma confiança há muito desaparecida. A paciência alvinegra alcançou seus píncaros. Bastava alguém ensaiar uma vaia que imediatamente era criticado pelo vizinho. Havia uma compreensão da tênue situação vivida. Se o time era frágil, cabia à arquibancada reforçá-lo.
A entrega dos jogadores chegou mesmo a arrancar elogios quase invejosos de jornalistas e torcedores que nunca foram simpáticos ao Botafogo. Aquela ligação dentro e fora das quatro linhas, tão rara nos dias de hoje, se mostrou como um desejo coletivo de todos aqueles que amam essa coisa chamada futebol.
A cena que simbolizou a tal união se deu ao final da partida contra o Atlético Nacional, quando jogadores foram em direção à torcida e pediram bandeiras, para que eles mesmo as fizessem tremular. A simbiose se concretizava de uma maneira espontânea (quero eu acreditar) e inesquecível. O Marketing do clube soube explorar este momento e tratou de repeti-lo em um comercial do programa de Sócio Torcedor (que mais que dobrou em adesão em 2017). Tudo parecia bem, até que a realidade resolveu bater à porta.
O Botafogo foi eliminado da Copa do Brasil, jogando de forma acovardada, e da Libertadores, pelo menos, lutando. Daí pra frente, a cada jogo, o time foi caindo. Uma ou outra atuação decente, mas, na média, bem abaixo do que vinha fazendo. Jogos ganhos, em casa, foram, absurdamente, perdidos. Resultados alheios ajudando de toda a forma, mas o próprio Botafogo não se ajudando.
Três derrotas seguidas, no Niltão, em plena reta final de campeonato e com mais uma Libertadores nos esperando de braços abertos (e ainda há chances, por incrível que pareça), fizeram com que o caldo entornasse e a torcida assumir sua personalidade de Mister Hayd, o monstro ao invés do médico. O baixo nível apresentado pelo time (seja por suas limitações, seja por desânimo) fez com que surgissem pesadas vaias a jogadores até então incensados. Vaias, muito mais de decepção do que de raiva. Vaias contra a dura realidade de que a carruagem virara abóbora.
Há quem defenda que isso de nada ajuda, concordo. E há quem diga que não dá pro sujeito que saiu de casa num dia de semana, à noite, debaixo de chuva, não reclamar ao ver onze sujeitos apáticos, sem qualquer poder ofensivo, se deixarem derrotar passivamente quando a hora é de dar tudo para fazer o ano ter valido a pena. E eu também concordo. O problema é que a paixão e a razão vivem juntas no peito do torcedor, e a paixão fala mais alto. Aliás, não fala, berra bem mais alto na cabeça do botafoguense. Um berro que explode, muitas vezes em vaias.
O que dói mais, no torcedor, é ver um gesto como o de Bruno Silva, talvez o melhor jogador do ano no Botafogo, desdenhando das vaias, ao ser substituído, e avisando que está de partida (provavelmente para o Cruzeiro). Pode-se dizer que estava de cabeça quente, irritado com a marcação dos torcedores (os mesmos que tanto o aplaudiram), mas foi infeliz, muito infeliz. Foi como se dissesse: “F*dam-se, eu já estou de partida. Não estou nem aí para vocês”. Isso vir do mesmo jogador que dias antes derramava em amores pelo clube e pela torcida (amor retribuído), foi inaceitável.
Numa entrevista, alguns dias atrás, em tom de desabafo, Bruno admitia que podia não ser um grande craque, mas que sabia fazer valer a pena. E isso, para a imensa maioria da torcida do Botafogo, já seria suficiente (mesmo sujeito a vaias esporádicas com as quais, como profissional experiente que é, já deveria ter aprendido a conviver). Porém, o gesto de desdém ao sair de campo, se transformou em um inevitável gesto de adeus. E, infelizmente, pela porta dos fundos.